CODEPENDÊNCIA: A DOENÇA QUE AFETA A FAMÍLIA
O ponteiro do relógio indicava que alguma coisa não estava certa. As horas já estavam avançadas e Ronaldo ainda não havia voltado do colégio. Francisca sabia que o filho costumava gazear algumas aulas, mas dessa vez ela sentia que algo de errado estava acontecendo. Desesperada, pegou sua bicicleta – companheira de muitas idas e vindas – e saiu sem rumo pela cidade de Pinhais atrás do garoto.
Francisca tornou-se o escudo que protegia Ronaldo da morte. Seu maior medo era o de que traficantes o matassem. Foi esse o motivo que a levou fazer o que podia e o que não podia para defendê-lo. Se o filho recebia ameaças por não ter pagado a droga que comprou, era ela quem tinha que correr atrás do prejuízo. “Não abro mão do meu filho pra um traficante. Não abro mesmo”.
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Com o decorrer dos anos, as substâncias psicoativas passaram a ser consumidas de maneira mais abusiva pela população. Esse uso exagerado aumentou em proporções significativas nas últimas décadas do século XX. Devido a isso, o consumo de drogas passou a se caracterizar como um problema de saúde pública.
Quando falamos em dependência química, rapidamente associamos essas palavras ao adicto e esquecemos que, além do usuário de drogas, existem muitas pessoas sofrendo com as consequências do uso exacerbado destas substâncias: são os codependentes.
O termo codependência, definido como uma disfunção comportamental, surgiu no final da década de 70 com o intuito de descrever a relação disfuncional entre homens alcoólatras e suas esposas. Recentemente, ele foi ampliado para delinear, também, a dinâmica de qualquer relação problemática de dependência.
Algumas das características que indivíduos codependentes têm em comum são: baixa autoestima, grande tolerância ao sofrimento e necessidade de controlar e mudar os outros. Os homens acabam tornando-se mais obsessivos pelo trabalho ou hobbies e as mulheres pelo relacionamento. Normalmente essas pessoas acabam desenvolvendo diversas doenças, como transtornos alimentares, hipertensão, diabetes, insônia, depressão e, em casos mais severos, cometem o suicídio.
Considerando esse comportamento problemático e suas características, Manuel Rezende e Neide Zanelato, no artigo “ Codependência. O papel da intervenção terapêutica como alívio do corpo que sofre (2003, p.142) afirmam que, “toda vez que a vida de uma outra pessoa é alterada ou perturbada pelo uso de substâncias por parte de outrem, o problema já não é mais apenas do dependente”.
A história de Dona Francisca é um relato real de uma mãe que deixou de viver sua própria vida para dedicar-se totalmente à dependência química do filho. Ela é mais uma no meio da multidão de pessoas que vivem a turbulência das drogas dentro de casa e raramente sabem que, assim como o adicto, também estão doentes. São pais, mães, filhos, maridos e esposas que mudam completamente suas rotinas para, de alguma forma, protegerem seus dependentes. De fato, estão algemados pela situação. Lutam, com todas as forças, para arrancar o familiar desse túnel que, muitas vezes, parece não ter saída.
A negação e a culpa
Diante de um problema com drogas, os codependentes passam a fazer de tudo para que a situação não seja presenciada por pessoas que estão fora do âmbito familiar. A família começa, então, a se organizar a partir das necessidades do adicto, protegendo-o e tentando controlar seu comportamento.
O jovem depende da droga e o familiar codependente do comportamento deste individuo, como se fosse um jogo de retroalimentação. A codependência começa a ficar evidente nas pequenas atitudes da rotina. São esposas que ligam para o emprego do marido alcoólatra para justificar a ausência no trabalho, sempre usando alguma desculpa para que o problema não seja percebido, mães que já não dormem enquanto seus filhos não chegam em casa ou até mesmo vendem seus pertences para garantir a vida do usuário diante de uma cobrança de um traficante, como a dona Francisca.
O codependente normalmente se sente culpado pela dependência do seu familiar. Acha que agiu de maneira errada e foi seu erro que impulsionou o consumo das drogas. É por isso que vive o problema como se fosse seu e faz de tudo para arrancar o usuário deste contexto tenebroso.
A codependência deve ser tratada
O tipo de tratamento para essa disfunção varia muito. Cada pessoa deve encontrar sua maneira própria de recuperação. Recomenda-se que o familiar e o dependente sempre passem por uma avaliação psicológica e tenham consciência de que precisam de ajuda.
O acompanhamento com grupos de apoio, que trabalham em favor destas pessoas, também costuma ser muito eficaz. Em Curitiba, encontramos o Al- Anon- criado para parentes e amigos de alcoólatras, Nar-Anon- destinado a familiares de usuários de drogas e o Amor Exigente.
Dentro destes grupos, os familiares dividem seus conflitos e experiências e contam com o auxilio de profissionais e pessoas que passaram por situações semelhantes, e os ajudam a vencer a barreira da codependência. Algumas famílias conseguem resultados valiosos com esse apoio, outras precisam ir além, buscando tratamentos terapêuticos, por meio do diálogo constante.
Sem dúvidas, conhecer o problema é fundamental! Quando o codependente reconhece que precisa de ajuda, está dando um passo a mais para o combate às drogas. Entender a situação e aprender a lidar com ela, de maneira correta, trará resultados muito mais eficazes.
Milena Beduschi
Assessora de imprensa da CRAVI e autora do livro “Algemadas- a trajetória de mães que adoeceram com a dependência química dos filhos”.